sábado, 31 de maio de 2008

A noveleira do Silvio

Texto de: Marcelo Marthe

As razões que levaram a mulher do dono do SBT, Iris Abravanel, a se aventurar como autora da próxima novela da emissora. E como ela pôs o seu projeto em prática.

Fotos: Lailson Santos
Iris, no QG que montou em sua casa: "O público não agüentava
mais as novelas mexicanas". No detalhe, seu crachá do SBT


Na madrugada de domingo para segunda passada, Iris Abravanel levou uma bronca do marido, Silvio Santos. O empresário e apresentador não pegava no sono, pois a mulher estava trabalhando na cama, com o computador ligado. "Sempre que tenho meus surtos criativos, o Silvio reclama: ‘Por que você ainda está acordada? Apaga a luz e vem dormir’.", conta Iris. Nos últimos meses, essas noites insones viraram rotina. A razão é que Iris, de 59 anos, anda se aventurando numa seara inédita: a profissão de noveleira. A senhora Silvio Santos é a autora do próximo folhetim do SBT. Com estréia prevista para o fim de junho, Revelação é uma aposta para reverter a crise de ibope que levou a emissora do marido a perder a vice-liderança de audiência no país para a Record. É, ainda, a primeira novela do SBT com texto nacional em nove anos, já que Silvio acaba de encerrar a parceria que o obrigava a só produzir os melodramas mexicanos da rede Televisa. "O público não agüentava mais as novelas mexicanas", diz Iris. Evangélica, ela decidiu então que era a hora de sair a campo "com fé" para salvar a pátria. "Quando vi a dificuldade de achar bons autores, perguntei a meu marido se eu mesma não podia resolver o problema", diz. Diante da resposta positiva, Iris lhe fez uma indagação prática: "Por onde começo?".

Com custo de US$ 70 mil por capítulo, Revelação é uma novela ambiciosa para os padrões do SBT. Para gravá-la, a emissora reformou a cidade cenográfica de sua sede, em São Paulo. As locações incluem também uma fazenda e uma segunda cidade cenográfica no interior paulista. Além disso, seqüências com o par romântico interpretado pelos atores Sérgio Abreu e Tainá Müller foram gravadas em Portugal e na Espanha. Silvio, no entanto, demorou a se convencer de que a empreitada vingaria. A princípio, Iris teve de se virar sem um centavo dele. Seu primeiro passo foi buscar dicas com Therezinha di Giácomo, consultora veterana de teledramaturgia do SBT. Em seguida, pediu ajuda a uma amiga, a proctologista Hellyangela Águida, que lidava com o grupo de teatro juvenil de uma instituição de ensino cristão da qual Iris também era voluntária, na organização de festas e bazares beneficentes (sua última ocupação antes de se tornar noveleira). A médica ajudou Iris a formar a equipe de sete colaboradores – composta, em sua maioria, de jovens egressos das montagens musicais da escola (onde também estudam os filhos de artistas do SBT como Gugu Liberato e Celso Portiolli).

Na semana passada, VEJA teve acesso a essa "oficina de roteiristas", na definição de Iris. Para facilitar seu trabalho, ela montou o QG em sua casa – mais precisamente, no quarto de Renata, de 23 anos, caçula das quatro filhas dela e de Silvio. "A Re ficou tiririca da vida quando a despejamos", diz. No começo, dava ajuda de custo do próprio bolso a esse pessoal – e, para gastar menos, os convidava para almoçar ali mesmo. Só em agosto passado, três meses depois de iniciada a aventura, é que todos – inclusive Iris – foram contratados pelo SBT. "Como eu nunca aparecia na emissora, me barraram na portaria ao chegar a uma reunião. Agora, é só mostrar o crachá", diz.

Fotos João Santos e Gilvan Guimarães/SBT

Iris com Silvio (à esq.) e os protagonistas da
novela na Europa: "Não é um fofinho?"

Iris recorreu a soluções caseiras para superar a falta de conhecimento em escrever novelas (e também em vê-las: em razão da "falta de tempo" e de suas viagens com Silvio, ela se confessa por fora das produções das concorrentes Globo e Record). As filhas Daniela e Rebeca (que estudaram comunicação e cinema, respectivamente) lhe emprestaram livros teóricos sobre roteiro. Iris buscou ainda uma fonte religiosa para aprender como se faz uma escaleta – jargão para uma espécie de organograma que resume a trama. É uma gravura que mostra a história da humanidade segundo a Bíblia, pendurada na parede de seu escritório. "É o escaletão das Escrituras", diz. Logo se estabeleceu uma divisão de trabalho. A redação das cenas de vilania fica a cargo do sobrinho Raphael Baumgardt ("ele adora tudo o que é do mal"). Já o romance central é com a amiga Rita Valente, professora de matemática que foi convocada para dar uma ajuda com os computadores e acabou virando redatora. "E olha que a Rita nem precisa trabalhar. Ela tem dinheiro, é casada com dono de cartório", observa Iris. A noveleira coordena a patota e faz as cenas cômicas. "Tudo o que eu tento escrever a sério sai engraçado", explica.

Silvio tomou precauções ao embarcar em Revelação. O projeto só entrou em produção depois que certo número de capítulos saiu do forno. E um profissional experiente, Yves Dumont, supervisiona os textos. Já foi até insinuado que seria ele, na verdade, o redator do folhetim. Dumont nega. "As pessoas ainda vão se surpreender com a Iris", diz. Dumont pediu que o número excessivo de personagens fosse reduzido, sugeriu a criação de outros e devolveu ao menos um capítulo a Iris por estar ruim demais.

A mulher de Silvio acredita que sua vocação para contadora de histórias compensa a inexperiência. "Meu pai era artista e eu fazia sucesso com as crianças quando era professora do primário", afirma. Há ainda a credencial conjugal: "Ter um professor de comunicação 24 horas por dia equivale a um doutorado". Iris também se apóia na religião. "Se não fosse pela fé, não teria levado esse desafio adiante", diz. A certa altura, ela se apanhou chorando sozinha. "Eu pensava: ‘Meu Deus, em que roubada me meti’. Mas depois vi que era importante dar a cara a bater", conta. Em tempo: a conversão de Iris a uma igreja evangélica, há dez anos, mudou sua vida – e a da família inteira. "Para o Silvio foi complicado, pois ele achava que estava perdendo o controle da mulher e das filhas. Mas depois viu o bem que a transformação fez para a gente", diz.

Na trama de Revelação cabem temas que vão da pregação contra as drogas à denúncia do autoritarismo (a história se passa numa fictícia "Tirania"). "A novela mostrará que o poder deixa as pessoas caricatas. Eu convivo com isso, né? Cansei de ver os políticos que vêm falar com o Silvio", afirma. Iris mergulhou de corpo e alma no processo criativo. Para conferir realismo a uma personagem mais atirada, por exemplo, fez aulas de ginástica sexual (essencialmente, uma fisioterapia para quem tem incontinência urinária, mas que também pode ajudar no desempenho amoroso, conforme explica Iris). Só não se pergunte à noveleira o que vem a ser a revelação do título. "Sabe que eu ainda não decidi?", informa. Quando o tema é o nome da novela, Iris só tem olhos para outra coisa: o "anel-revelação" que ganhou de Silvio há algumas semanas. O anel tem um brilhante aparente e uma safira oculta, que o dono pode exibir ou não. "Ele me deu por causa da novela. Não é um fofinho?", diz.


Matéria publicada na VEJA.

2 comentários. Só estou esperando o seu...:

Anônimo disse... [Responder]

essa novela vai dar o quefalar...pode ser um sucesso como pode ser um fiasco, é uma incógnita!

Britto disse... [Responder]

Falou tudo, Edu!

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